sábado, 8 de julho de 2017

SINTAGMA

assim que o nó da embarcação se desfez
vi teu continente se afastar lentamente
e nas travessias e paragens pelo mar afora
decorei paisagens de espalhadas ilhas do egeu

aquelas certezas se foram, sumiram do meu agora
arrefecida em recifes, atada em atóis,
sob a luz de tantos sóis
mirei nossas sombras trêmulas em águas revoltas
como fantasmas de piratas saqueando minha paz
a cada tentativa de me aportar em ti

e em minhas mãos frementes, tua carta revela
à cartografia de minha circum-navegação
filosofias de teu porto inseguro — segredos apenas
tão nossos, por ora tão distantes
não há mais regresso a palas athena

virginia finzetto
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in Plural North & South, p. 91.

DIÁLOGO

no tecer do diálogo perfeito,
o ton sur ton
o dégradé
o composé
o tecido e a linha
o bordado e a laçada
os pontos diferentes
tudo ajustado
combinando lado a lado
só o avesso
esconde seu defeito,
pontas soltas
do mal arrematado

virginia finzetto

segunda-feira, 3 de julho de 2017

GRANADA

desde Roma
nunca o amor floresceu
como na romã
em Al Andaluz
e as granadas encarnadas
que restaram da explosão do velho mundo
espalharam sementes
mesclando nódoa ao sangue
na rota da nova civilização
aqui e ali e lá e acolá
semeadas em solos promissores
ainda guardam a possibilidade
de fazer nascer o bendito fruto
virginia finzetto

quarta-feira, 28 de junho de 2017

1987

o secreto mais repleto com as boas memórias eu imprimi em papel colorido e arabescos. mas o viço das cores iniciais, ao longo do tempo, começaram a mostrar os sinais de envelhecimento, por causa do uso constante e da imprudência no manuseio. nas bordas, as mini-dobras agora denunciam que foram lembranças intrusas que insistiram em desvelar, ali, o que seriam somente ilusões. visíveis, já, são os sinais do gasto. o medo e a desesperança são como pingos de azul de tornassol, que se espalharam revelando as partes codificadas do mapa do sonho. eu ainda me agarro fielmente às sobras da estamparia alegre que resistem. e, entre uma ilha e outra ainda não invadida pela terrível frieza desse mundo líquido, procuro um cantinho onde me abrigar. 

 virginia finzetto

quarta-feira, 7 de junho de 2017

HIPOTETICAMENTE

homem que é homem
é humorado histérico
é hospício histórico 
é holofote histriônico
   happy hour

homem que é homem
é hermeneuta holográfico
é haxixe hipnótico
é hierofante herético
   hacker

homem que é homem
é homo
é hétero
é humano
   hardware

homem que é homem
é com h
  de hemorragia menstrual
  de hímen complacente
  de harém
      haicai 

homem que é homem
é herói e heroína
é Hermes e Helena 
   habitat de alma fêmea

virginia finzetto

terça-feira, 30 de maio de 2017

INTRANSITIVOS


a chuva é para são pedro como a lágrima é para a menina dos olhos. tempo em que trovões são como lamentos, ambos a pedir atenção e silêncio para acolher o justo sentido que jaz intransitivo. não está acostumado a ouvir recados aquele que se apega a qualquer antes, alheio ao efêmero de todo instante sempre aguardando um mesmo depois. 


virginia finzetto

quinta-feira, 25 de maio de 2017

CAIR DA TARDE

em tardes mornas, lembro de mim na calçada ouvindo os barulhinhos da noite chegando e a contumaz merencória que descia para me abraçar. eu era criança, e tudo o que sentia era uma profunda e inexplicável saudade de casa. mas eu nunca havia estado em outra casa... e esse aperto solitário durava o infinito do trajeto dos ponteiros do relógio a percorrer exatos trinta minutos, que coincidia com a ave-maria que minha avó recitava religiosamente todos os dias. eu entrava para ouvi-la murmurar e, só assim, no recato da prece de seu colo, toda minha ausência podia ser dissolvida. 

virginia finzetto